Quando criança, lá onde o sol é um verbo infinitivo, o calor transitivo direto e o amarelo era a cor da vida, contava os dias para arrancar os dentes de leite. Ele e o irmão mais novo apostavam quem teria de arrancar primeiro, sabendo que não importava quem ganhasse: a delícia seria compartilhada irmãmente.
A recompensa que tanto esperavam é algo que para muitos nem fazia diferença, mas para eles o dinheiro e pequenos prazeres eram um luxo anual, como um ano bissexto ou como uma chuva de meteoros. Se bem que o ano bissexto a gente sabe quando vai acontecer. Enfim, a ânsia de se perder um dente era que seu pai, aquele da cabeça, dos pés e de outras qualidades chatas, só quando chegava a hora, lhes presenteava com o que era a máxima do desejo de uma criança da época: Caldo de Cana. Primeiro por que não se podia comer, pra não entrar sujeira no buraco do dente. Era nutritivo, cheio de glicose, né? É, glicose e bem geladinho com limão era uma delícia. Cada dente era equivalente a uma garrafa de caldo de cana. Era uma delícia, dizia ele, era uma delícia.
Certa vez, cansado de esperar o dente cair por si só, armou com o irmão para arrancar dois dentes de uma vez e poder saborear duas garrafas de caldo de cana gela'dians'. Amarrou os dentes na maçaneta da porta com uma linha de costura, fechou sem dó e arrancou os dois dentes da frente, de uma vez só, sem frescura, sem anestesia, só com gelo, por que ninguém é de ferro e os dentes não eram de leite. Não cresceram nunca mais e ele ficou indignado por que ao invés de ter ganhado duas garrafas de caldo de cana, apanhou e ainda teve que usar dentadura pro resto da vida.
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