sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

De boca em boca: à boca.

Depois de muito ir e voltar, fugir pra as terras distantes que alguém descobriu, voltar para as terras que quase ninguém sabe de quem, passar por chãos quase sem fim, onde o olhar se perde por entre o chão desnudo que deixa marca onde toca e, se tiver sorte ainda, consegue-se chegar ao destino se não for época de água ou inverno como dizem por aqui. Mesmo sabendo que não existem estações definidas por essas bandas a não ser a estação de ônibus de milha em milha, barro em barro, pedra em pedra, pasto em pasto: Voltou. Como se nunca tivesse ido pra onde nunca queria ter voltado, pelo desejo de nunca dali sair. Com medo de encarar o próprio mundo, danou-se a encarar o dos outros. Vinha com uma mala velha verde musgo e um calendário onde marcava quantos dias estava longe dos seus. Falava mais que a boca que tinha e de todos que a rodeavam, inclusive sobre os mesmos. Vinha contando com sorrisos os cantos, trancos e barrancos passados.

A cunhada era casada com um traficante que estava preso na delegacia. A delegacia, por sua vez, parecia um clube. Todo fim de semana tinha churrasco e cachaça pros presos. Algemas? Não precisava. Vezes quando eram liberados de suas sentenças, tratavam de cometer outro crime para voltar pra lá. Sem mentira, era um local muito desejado. Ao lado do bar mais badalado da cidadela, onde vendia a melhor cachaça da região vinda pelas balsas dentro de barris, tinha um policial que assaltava os traficantes, vendia e consumia junto com os companheiros da cadeia. Criou-se uma relação de irmandade. Coisa bonita de se ver, dizia ela.

Certa vez, a cunhada que não era muito chegada à banho como muitos dali, perfumou-se, pintou-se, colocou a saia mais curta e seguiu para a visita, que nem precisava ser privativa pois não haviam restrições : - Achei estranho. O Delegado estava para a capital e quem estava no posto era a esposa dele. Professora de geografia. Estorquia qualquer crime por qualquer nota de cinquenta. Liberava os ladrões de galinha aos fins de semana para garantir o jantar. Dirigia a caminhonete da polícia para ir arrumar o cabelo no salão.

- Vim trazer comida pro meu marido, disse ela. E essa criança? É filha. Loira, com esses olhos? São do avô. Venha cá , deixe eu te revistar. De cócoras. É preciso mesmo passar por esse constrangimento na frente da criança? Você tem R$ 100? Não, tenho umas trouxinhas aqui. Colombia? Bolívia. Vou ter que te prender. Na minha cidade não entra esse tipo de coisa não. Mas dona delegada eu não posso ser presa, tenho minha filha pra criar, não há quem cuide. O que você acha daqui, menina? Gosto da cor da parede, dona delegada. Certo, já que gostou, não vai ter problemas em vai ficar na cela com a sua mãe. E assim ficou por lá, durante quatro meses até que voltassem as aulas da menina. A mãe foi liberada também. Vendia roupas e sapatos roubados na feira com o marido, que vivia saindo à cidade pra comprar cachaça e galinha pro churrasco do feriado próximo.

Caboco é bicho imundo, dizia. Não tomam banho e olha que vivem na beira do rio. É pura imundice mesmo. Em uma conversa com vizinhas e comadres, foi surpreendida com um comentário infeliz de uma mulher idem: No Acre só tem galinha. Como é que é a história? É isso mesmo. Os homens que vem de lá dizem que são galinhas e ao chegar em um restaurante pedem acreanas caipiras. Isso é coisa de rondoniense, maninha, que morrem de inveja das acreanas que são mulheres bonitas, cobiçadas e sabem fazer o negócio direito. E você com essa cara de macaco misturado com cruz credo vem falar das acreanas? Prefiro ser galinha que toma banho até no seco do que ser uma porca gorda, fedida e suja como do seu tipo.

Rabissacou e seguiu seu rumo. Deu a mão e: Dá uma carona? Claro, tô indo pra Rio Branco e você? De volta a terra que nunca desejara ter saido, pelo mesmo motivo de não ter que um dia hesitar em voltar.