sexta-feira, 12 de junho de 2009

Dos tempos

Às vezes eu não me importo em acordar atrasada. Estar atrasada sempre foi um coisa normal. Mas quando eu era uma garota primária, tinha neura de relógio. A aula começava 7h e às 6h15, impreterivelmente, lá estava eu, sentada na arquibancada da quadra de educação física, vendo as pessoas chegarem com suas caras de sono, suas remelas viscosas e suas pastas de dente na gola da blusa. Umas pareciam que sequer tinham acordado, tinham chegado à escola pelo sonambulismo conduzido por seus pais. Quase ninguém ia de ônibus. Pequenos burgueses, não sabem o que é sofrer de verdade, alguns diziam. Tinham pais e mães, a maioria. Os que não tinham, não eram totais infelizes, não. Eram da galera do fundão, da galera da briga, da galera do futebol e a galera do livro também. Eu fazia parte de duas dessas galeras aí. Essa galera se divertia na tristeza e na desgraça que eram suas vidas. Admiro essa habilidade das crianças. Viviam na diretoria. -Preciso conversar com a sua mãe, menina. - Se você encontrar ela em casa primeiro que eu, me avisa. Também quero conversar com ela. Batiam nos menores para se sentirem superiores e poderosos mas quando chegavam em casa iam assitir animes de monstrinhos fofinhos e choravam de saudades do amigo imaginário chamado Marih, era tailandês. Escreviam cartas à mão deficiente de caligrafia. Kali=bonito; graphia= escrita. Nunca foram entregues por que os correios não aceitavam enviar ao destinatário com o mesmo endereço do remetente.

Sei que com o tempo isso foi passando. O tempo passou a ser uma mera palavra que não pesava em quilos, pesava em segundos e meus segundos são bem leves. Todos os meus seis relógios marcam uma hora diferente. Uns alguns minutos antes da meia noite, outros alguns minutos depois do nascer do sol. Meus horários favoritos. De dia viro flor e de noite viro bicho. Tem relógios que eu nem uso, me lembram tempos que eu não quero me lembrar. Tem uns que eu não consigo livrar do braço direito, que é o braço que eu mais gosto. Não sou canhota. Sou direita. Consegui abstrair seus tempos.

Mas a verdade mesmo é que hoje em dia não me preocupo com a pontualidade, apenas a dos meus ponteiros. Se é hora de acordar, em que relógio? Se é hora de cantar, com que galo? Foi-se o tempo que eu me preocupava com o passar dos passos apressados. Foi-se o tempo que 6h era o horário de acordar e 10h30, 10h32 eram os de durmir. Foi-se o tempo que eu contava as horas. Foi-se o tempo que minhas flores preferidas eram gérberas. Foi-se o tempo que minha pele era rosa.