segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Do dia que te vi na rua

Te vi na rua. Mudei de caminho. Talvez tivesse sido melhor mudar o pensamento pra evitar aquela velha história que começa pelo fitar dos olhos, vem gelando os sinos, as orelhas, a boca começa a ficar seca e ao mesmo tempo os joelhos começam a tremer e ela, claro, sempre, anuncia sua volta triunfante, com toda acidez e amargor possível para alguns metros de estômago.

Teria sido melhor se eu ao invés de desviar o olhar, desviasse o carro e batesse na primeira latrina, no primeiro poste que estivesse pela frente. Aí sim eu teria motivos para sentir dor. Enganaria meu cérebro, deslocaria as sinapses para a testa batida no volante, ou pra perna amassada pelas ferragens, ou para as orelhas atingidas pelos estilhaços do vidro. Aí sim eu teria motivo para doer à vontade e deixaria minha gastrite quieta pra sempre.

Se eu tivesse escolhido outro caminho, aquele que costumo ir... Mas não, logo hoje decidi fazer um percurso desconhecido só por que ouvi dizer que faz bem para o cérebro. Exercita. Deixa inteligente. Mas eu não quero ser inteligente. Quero só ser eu e em toda a miudeza dos pequenos grandes detalhes e defeitos pré-moldados.

Talvez eu devesse ter saído de bicicleta, mas o pneu dela está sempre murcho. Sempre, sempre, por mais que eu insista em deixá-lo apto para a minha próxima volta. Pensando bem, se eu tivesse saído de bicicleta também tinha te encontrado. Você está em todos os lugares. Nos orelhões, nas calçadas, nas vidraças, nas costas de meninos e homenzinhos em puberdade. Nas camisetas da Hering, nas cores que vejo pelas vitrines. Não adianta eu desviar o caminho. Sempre vai ter um quiosque que vende cachorro quente, sorvete, pipoca doce, pizza, sushi... que você gosta, assim como eu, de coisas que engordam. Pois é, somos dois falsos magros com cérebros gordos, mas eu só queria ser inteligente. É eu sei que disse que não queria ser, mas na verdade, no fundo mesmo, eu queria. Queria poder assistir filmes e ouvir músicas sem conectá-los aos meus sentimentos - olha a pretensão- como se os autores tivessem feito aquilo que vejo e ouço só pra mim. Sou burra, eu sei. Mas todo mundo acha que o que serve como carapuça, foi feito por encomenda.

Eu te vi na rua mas não desviei. Passei por cima e você nem me viu.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

toma vida, agora sou toda sua.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

na plena flacidez dos meus antebraços, olho a face de uma senhora que passa na rua, a balançar pelancas, e vejo meu destino claro amórfico diante das pálpebras escurecidas por maquiagens de má qualidade.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Das bobagens sinceras

Também me vejo com os mesmos olhos que vejo os outros ao falarem insanidades e coisas estúpidas. Estúpido é forte demais, bobas melhor dizendo. Insanidades sinceras, reconheço. Por que elas vem de forma natural, do coração, sem nenhum outro motivo além do de quererem ser valorizadas. É aquela falta de jeito que se tem para fazer entender esses pensamentos que borbulham, dão voltas e saltos acrobáticos, giram, desviam as portas do bom senso e da sensatez dentro de nossas mentes. Essa tentativa de fazer parte, de interagir, de parecer inteligente, mesmo que muitas vezes não seja tão verdadeiro, que as fazem insanidades dignas de respeito.

O resultado se reflete naquela gargalhada fora de hora ou mesmo pela demora para cessar a mesma, cuja hora já passou faz tempo. Se reflete no rubor das têmporas e no miúdo dos olhos que não encontram direção confortável para assumir o desconforto que é proferir coisas sem sentido - aparente - e persistir tentando consertar o que não há conserto. Assim como as mãos que procuram buracos, adjacências, dobras de pernas, frestas, etiquetas, unhas, cutículas e caminhos para se esconder. Parece que quando escondemos a mão, a vergonha passa e nos sentimos mais confortáveis. Vai entender.

Sempre que sai no meio de uma conversa sobre política ou 'atualidades':" É verdade que a ponte aérea Rio- São paulo é uma ponte mesmo?" ou "Vocês conhecem aquela raça de cachorro que tem a língua azul? Pois é, meu avô tinha um", ou até mesmo informações detalhadas sobre a vida e obra da iguana chamada Iana, eu, apesar do desconforto, sinto um certo carinho e comoção pelo silêncio manifestado pelas bocas ouvintes e pelos prováveis pensamentos desrespeitosos concernentes ao autor das pérolas bobas, mas sinceras. Por que em muitas vezes estive do outro lado e pra falar a verdade, tenho estado de vez em quando. Só que a diferença, que não sei se é compartilhada com outros insanobobos, é que percebo quando a merda é grande, a estupidez é colossal e totalmente inaquada para a situação, que começo a enumerar xingamentos e humilhações para mim mesma, ensaio fugas históricas por baldrames de banheiros, frestas de portas, buracos de tijolos, quer dizer, isso quando eu era magra. Hoje em dia as fugas são mais modernas como a abertura do telhado ao encontro do céu e eu agarrada a um cabo de aço sendo suspendida por um helicóptero, jogar um pó no chão que me faça desaparecer sem deixar rastros ou mesmo voltar no tempo, apagar a memória recente do ouvintes e os fazer esquecer do constrangimento causado.

Cada um tem sua técnica e depois de fugir com um helicóptero ou pela janelinha do banheiro, a tensão passa e temos a chance de tentar falar algo ou permanecer calados sem que haja a necessidade de gastar neurônios imaginando fugas, que vamos combinar, cansam só de pensar e ando tão sedentária, sabe?