quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

a minha infância é um presente cada vez mais distante

Do que me faz, tosse.

Diga-se de passagem: quanto custa pra ir e voltar três vezes sem sair do mesmo lugar que anteriormente havia se mutado com o intuito de nunca mais parecer o mesmo, até o giro de 2,3° à direta do sol, curvado com a linha do horizonte na vertical, à espera de uma gota de chuva da árvore, que em baixo, ainda chovia. Meio difícil fugir da sombra que nos segue desses sóis assassinos lentos e silenciosos da vida. Ainda mais tendo como verdade absoluta a intransponível barreira do botão excluir da vida. Nunca se sabe qual o próximo buraco, qual a próxima poça que vai melar a barra da sua calça ou sujar suas unhas dos pés encravadas ou bem feitinhas. Nunca se sabe se aquele seu sapato de couro de marca de vaca vai se recuperar daquele cheiro de urso molhado de suor de galinha. Nunca vai se saber também, quando se abre o baú da consciência a quantidade de mentiras que dali vão escapolir. É muito, mas muito difícil conseguir driblar a consciência que fica martelando, martelando, fazendo buracos com bicos de pássaros que comem árvores, bicos de pássaros que comem pragas. É como dar descarga naquele pequeno pedaço de si, tubos abaixo, sem dar ao menos um até logo. E quando sentimos saudades daquilo que nos faz mal tem gente que come chocolate, mas tanta alegria no organismo não me serve mais. Sinto falta da infância que o dizer sim não tinha consequências tão drásticas como a morte daquele peixe, véi, mirrado do copo de vidro. Falta daquelas manhãs que clareavam-se com beijos e carinho na cabeça, onde o minuto posterior poderia mais nem existir. Se naquela época já existisse, apertaria o stop e permaneceria ali, com aquele cheiro de cocô de cavalo, vento frio trazendo a fumaça do café, entrando pelos narizes famintos como se fosse veneno chamando com aquela mãozinha delicada, vezes verde, vezes cinza. Ah, se pudesse assim, abrir um buraco na terra, enterrar tudo, tudo e mais todos os tudos e por cima, uma flor com nome de país morta. Pegar aquele apagador e apagar o quadro negro da vida pregressa e totalmente prevista por ela e por lei. E aquele silêncio que precedia o choro, engolir-se-ia. E aquele cabelo tentendo a esvoaçar paralizar-se-ia. E com um catarro atarracado no peito um grito roco e desafinado ecoaria por toda volta da empresa : Ei , bico de pássaro vermelho, ides e passarás!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

a santidade pinga.

morreu em magdala com problemas nas amigdalas.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Chá comigo.

meus sonhos passaram voando entre aquelas nuvens enquanto eu, aqui de baixo, observava com aquela minha velha amiga gastrite nervosa, tomando chá de hortelã, meu novo vício. Novo vício que eu me rendi fácil. Diferentemente das drogas que circulam por aí e pelos sangues, eu fiz questão de largar mão dessa resistência fundamentada num passado frustrado de um chá de casca de laranja. Hoje eu entendo muito mais a minha gastrite, quando eu decretei ódio mortal e abominação pública àquele simples e inocente líquido amargo. Percebi que decretei meu bem estar e minha amargura sempre pro ano que vem, assim como muitas coisas na minha vida cujos planos tem data pra começar e margem de erro pra adiamento de no máximo 1 ano.

O chá não pode ser aquela 8 maravilha gastronômica mas eu não acredito se alguém me disser que qualquer chá sem açúcar é gostoso. Pode ser gostosinho, bom de tomar, relaxante, qualquer outro adjetivo mas gostoso não é de jeito nenhum. Um dia minha avó (mentira, foi a minha mãe) me fez um chá de casca de romã que tinha gosto de meia. E pra saber como era o gosto, é só lembrar do cheiro de uma meia recém saída de um pé suado de dentro de um sapato de couro. Pois é. Consegui superar o trauma de criança do chá de casca de laranja da minha avó, que como dizia a minha avó ( e ela disse mesmo, não é chavão) fazia bem pra gripe. Acho que foi por isso que a gripe nunca me largou. Tava é bem.

Superei o trauma do chá de casca de romã ( que minha mãe jura faz bem pra garganta e agora eu acredito) e agora achei meu novo vício. Por que não se faz chá com sazon, mas com amor e pelo amor, tomar chá hoje em dia ficou muito mais gostoso.

sábado, 5 de dezembro de 2009

O Diário da prima

Nunca cruzei o oceano que se faria mar, mas me fiz mar. Mar melhor de boa, mar astuta, mar inteligente, mar fina, mar convencida, mar corajosa, mar feliz, ah sim senhor. Mar sorridente, mar contente de abrir os olhos e sentir uma obrigação de levantar e bater na minha própria bunda magra: Cuida, menina, tá atrasada. De pegar nos meus cabelos, que quase não os penteio - é muito mais fácil amarrar um rabo de cavalo do que ficar com cara de dragão. Ri amarelo, com os dentes sem escovar, com aquele bafo da manhã e um leve aroma de alho do bife da noite passada. Salpiquei aquela água gelada nas linhas expressionistas que a minha imaginação vê naquela cova, naquele buço tirado. Ê menina cuidada, né. Veja só. Tá todo fim de semana no salão alisando os fuás. A minha tia até me disse: Filha, te compro uma chapinha, um secador, o caralho à quatro, de quatro e ao avesso, o que você quiser mas, por favor, pare de dar dinheiro pr’aquela cabeleireira que te penteia e te tapeia. Olha aí, nem bonita ela consegue te deixar. Enquanto isso passa um cara de bicicleta e ao ouvir a conversa, falou a única verdade de todo esse texto: Issaí, rapae...só nascendo de novo. Ih! As pessoas tem inveja de mim.

Minha letra é horrível, nem consigo entender o que escrevo nesse pedaço de bloco de papel que eu ganhei num dos mil seminários que já fui. Seminário, conferência, palestra, workshops. É muito papel e eu tenho que aproveitá-los de alguma forma. Tive uma brilhante idéia: vou juntar todos os bloquinhos num só, grampear e fazer um caderno personalizado. Vou pegar aquela cambada de adesivos de caderno que guardo desde o ensino médio que nunca usei, mas que também nunca dei pra ninguém por achar que um dia eu iria precisar. Táí, chegou a hora das meninas superpoderosas, do ursinho plufpt, da Minnie, daquelas tatuagens tribais (suuuuuper fashions), daquele ’lembrar do aniversário de fulana’, daquela gatinha e daquele adesivo, aaah aquele adesivo do Matheo, da novela Terra Nostra, sabe. Aiaia. Eu tinha um pôster dele colado no meu quarto. Mesmo antes de saber o que eu poderia fazer com um homem, eu já fazia com ele.

Estava eu, a pri, a fá, a lá, a bi, a já, a ka, a la, a má, o gi, o su, a cli, o nê, o Rô, a lili, o fêr e o tion na praça depois do show do Jenoval. Esqueci de dizer que a mi e o bru tinham levado a prima que chamavam de ia, mas o verdadeiro nome era jasmim e eu não entendi o porquê. Essas coisas de apelido a gente nunca entende. Que Bençã, maninha. Sou muito grata pelas coisas que tenho, sabe. Não tenho muitas coisas, mas sou grata. Na verdade eu não tenho nada meu, mas sou grata do mesmo jeito. Se todas as minhas amigas agradecem, eu tenho que agradecer. Não gosto de ser do contra. Não gosto de confusão e quero que todo mundo goste de mim. Aliás, esse é meu objetivo: fazer amigos. Não interessa quem eles sejam, o que importa é como eles são comigo e isso me deixa muito feliz por que eu sou a única pessoa que consegue viver com esse paradoxo na vida. Deixa eu falar diário, que eu nem sei o que paradoxo significa, mas semana passada eu ouvi o professor de ciências falando e eu achei bonito. – Nossa, mas que paradoxo, heim princesa. Vem cá, moreninha linda!

Bonito, né?

Ontem, quando eu fui comprar pão na mercearia do Zico, encontrei ele maninha. Ele tava com aquela bermuda de jogar futebol, de seda vermelha, com aquela sandália kenner, linda, que eu dei pra ele no dia do seu aniversário e aquela blusa machão cavada, cor de burro quando foge. Ai, maninha. Que saudade que deu de pentear os seus cabelos do sovaco. De dormir em baixo da cama dele, esperando que a sua esposa fosse trabalhar e levasse as crianças pra escola. De sair, toda cheia de teia de aranha, com cara de azulejo florido, feliz, mas atrasada pro curso de datiolografia. De desenhar coraçõezinhos, de mandar mensagens pro celular dele. Melhor era receber as mensagens dele dizendo: - Minha mulher saiu. A cerca é sua. Na verdade a cerca era dele, mais pulante que pogobol elétrico, mas quem pulava a cerca era eu e caía direto pela janela do quarto, numa cama vermelha, meio desbotada, mas ainda tinha uma essência de cama vermelha. Vermelho é a minha cor preferida. Cor de sangue, cor de batom, cor de morango, cor de calcinha de renda, eita, dessa quem gosta é ele. Eu não gosto de calcinha de renda. Não gosto de coisa entrando na minha bunda. Cor de morte. Eu a vi várias vezes. Com o tempo passei até a gostar dos velórios, mas como tinha um quase todos os dias, aqueles dramas achocolatados se tornaram enjoativos pra mim. Pedi desculpas para o cara da capela são-alguma-coisa e disse que em breve eu voltaria. Mas só pra fingir tristeza quando aquela praga enfim morresse.

Eu sei que praga, carma, nunca morre e muito menos se acalma. Fica infernizando a vida de todo mundo pelo simples prazer de se sentir odiada. Ah, praga dos infernos. Queria eu ter coragem de enfiar uma faca naquele bucho de cerveja verde pra ver o líquido virar marrom, cor de merda. A cor que representava a sua vida. Era meio triste. Quando eu começava a sentir pena, não me permitia continuar e lia aquelas cartas. Só a primeira frase, que continha a data já era o suficiente. Ah, praga dos infernos, vai-te e Lilith logo! Eu não gostava de lhe desejar muitas coisas ruins não, por que eu sei que aquele Deus, o deus bom, que não era o mesmo Deus dela (por que não é possível) sabia o que fazia. Sabia o que fazia, fazia ou mandava fazer. Eu tinha é que livrar aquelas coisas ruins do meu coração e foi aí que surgiu a idéia do boneco de pano. Todo dia era um alfinetinho estratégico. A mulher lá do terreiro, disse pra eu ter cuidado, por que pessoa podia gostar e não faria efeito nenhum. Eu resolvi largar disso. Taquei fogo, mas só por que deve doer bastante.

Entrei pra igreja, comunidade Eros Ramazzoti, fundada por um cantor, ator sei lá, da Europa. Europa fica ali perto do Canadá, né? Agora eu não lembro. Enfim, lá é legal. As pessoas gostam de mim ou pelo menos fingem muito bem. Acho que Deus dá esse dom. Eu não consigo identificar mentiras nos olhos deles. Deus, será que eu perdi o meu dom? Será que essas pessoas tem um bloqueio na alma que não permitem ser enxergadas por dentro. Andei meio deprimida com isso, mas conversando com a pê, ela me disse que lá todas as nossas mentiras se transformam em verdades. C-O-M-O-A-S-S-I-M?

Eu não queria ver mentiras transformadas em verdades, por mais verdadeiras que elas pudessem parecer. Vi no fantástico, faz tempo já, que as pessoas que mentem tem um dom especial de fazer com que as outras pessoas acreditem e que acreditam na própria mentira, por isso que conseguem viver numa boa. Eu acredito nisso, mas não quero esse dom. Prefiro o meu de ver verdades nos olhos. E fazia tempo que não via, por isso achei estranho. Quando olhei aquele menino que tinha só olho, um olho grande, maceta mesmo, parecia que ia pular pra fora, eu vi verdade e sofrimentos muito familiares. Ele depositou uma moeda de 25 centavos na cestinha. Eu agradeci com meio sorriso, sem dentes. Coitado. Paz de cristo.

Esse meu problema de querer fazer amigos me deixava mal às vezes. Um dia, descendo as escadas lá do condomínio vi a esposa dele e fiquei com uma vontade louca de contar tudo pra ela e pedir que me perdoasse. Eu ia dizer toda a verdade, que a culpa era dele, que a cerca era baixa, que eu não tinha culpa que ele gostava de jiló e que quando eu estava cozinhando, ele sempre ia lá comer o meu jiló. Pensei em me propor a ensinar a esposa a cozinhar o meu jiló especial, quando me dei conta que o que o fazia pular a cerca não era o meu jiló. Ou era. Sei lá, eu nunca soube por que um dia desses, quando eu estava decidida a perguntar o que porque de ele ter estado comigo todos esses anos sendo casado, namorado, comprometido, sei lá que diabo era aquela relação, vi no jornal que ele tinha sido preso. Demorei pra ler a manchete toda. Fiquei tentando imaginar o porquê, antes de ler o que estava escrito. Enfim, todos já esperavam. Ele tinha sido preso por tráfico de drogas, de mulheres (pedofilia, inclusive), de remédios controlados, de móveis de madeira e de carne de boi de áreas de desmatamento na Amazônia, assalto, estupro e crime ambiental por ter matado 10 peixes exóticos (leia-se peixes estranhos) do aquário que ele mantinha com o dinheiro do seu serviço de empréstimo de idéias. Ele tinha um currículo grande, até. Era amigo dos traficantes e planejava estratégias de fuga e de novas rotas. Bolívia, maninha. Na Bolívia. Era amigo dos patrícios e das patrícias all over the world. Das patrícias, principalmente. As muchachas achavam que iam subir na vida, mas acabavam mais caídas que pelanca de peixe-boi. Peixe - boi ainda existe?

É hora de dormir. Liguei o rádio e tava passando a minha música. Não lembro o nome, mas acho que é do Calcinha Preta. Adoro aquela banda, mas prefiro a Joelma e o chimbinha. Que casal mais simpático e bem sucedido, né? Um dia desses os vi na Tv fazendo uma propaganda de sandálias. Esse povo da TV sabe vender as coisas. Só não comprei por que estava sem dinheiro mesmo. Adorei aquele comercial. “ Pi-pi, olha a mensagê”. Oba, cerca é minha!