quinta-feira, 30 de abril de 2009

Contos de cantos II

No jantar, muitas teias de aranha em um restaurante cujo nome segue as regras gramaticais de nomes por aqui. A união de um casal chamado Osvanda e Cleilson, que por sua vez pode ter sido fruto de outra união nomenclatural, dá o Osvailson. Franscisco e Jurinete: Franscisnete. Maria e Nelson...hmmm deixa pra lá. Caromila era o nome do lugar. Comida boa. Cara de clube noturno com uns bancos acolchoados, alaranjados e encardidos. Imaginei um cano de striptease no meio do restaurante. Imaginei minhas costas grudadas de suor naquele couro, napa sujo. Com o calor que fazia eu imaginei também milhões de outras costas outrora grudadas ali. Me distraí -ainda bem- quando a atendente educada chegou perguntando: ‘e aí, qual vai ser?’ Para conseguir um bom atendimento nem pagando 50 % de taxa de serviço. Sorriso? nem pra gringo. Poupava dentes e músculos da face. Vai ver ela não tinha dentes ou vai ver que eles tinham cáries aparentes. Tinha o olhar triste e odioso para tudo e todos aqueles que viviam. Chegava a ser engraçado. Filhote frito com limão, cebola, arroz e guaraná Baré para acompanhar. Nada melhor para nutrir uma pessoa cujo almoço tinha sido um pastel de carne -em miniatura- e uma coca-cola. No caminho de volta pro hotel, tendo gasto o que me restava de educação e simpatia com a moça, eu vi um anão jogando sinuca. Foi muito, mas muito bizarro.

As casas parecem ter sido construídas pelo mesmo marceneiro. Sem exageros, todas as fachadas são iguais, com telhados arredondados que lembram templos chineses. Em Boca do Acre não existem engenheiros, muito menos arquitetos. Fato. Escadas e seus degraus uns maiores que os outros, degraus maiores e menores que os pés. Eu tenho o pé grande e consegui subir com dificuldade algumas escadas, mas e quem tem o pé maior? Sobe escada na ponta dos mesmos. Ao ver o rio, eu tive medo. Não vou mentir. Muita água, sem barrancos e o asfalto da rua acaba na beira do rio. Era imenso e eu só esperava ver outro boto rosa. Outro fato: para cada cinco pessoas existe uma igreja. É, lá em Boca, só Deus mesmo. Meu ombro arde e pretendo tomar dois banhos amanhã. Um deles vai ser de bloqueador solar. Tenho saudades já. Penso bastante antes de dormir. Dormi.

O dia amanheceu chuvoso, mas o céu indica que o sol vai sair em breve. Meus ombros ainda doem. Pode parecer exagero, mas acho que ganhei uma queimadura de primeiro grau. O ar condicionado sem filtro deixou minha voz rouca e sexy. Fui pra frente do espelho e comecei a imitar uma cantora negra, fazendo caras, bocas e cabelos. Sinto vergonha disso. O café, leite, pão, queijo e bananas serviram como primeira refeição do dia. Teve suco de maracujá também. Uma das coisas que eu não entendo é porque a numeração dos quartos ou salas de um prédio começam sempre na casa dos 100. Me faz parecer que antes do meu quarto 108, existem mais 107 quartos, o que não faz o menor sentido em um prédio de 3 andares e 8 quartos. Acho que o zero à direita deixa as coisas mais bonitas e pomposas.

Não se consegue ouvir o canto dos pássaros. Eles são substituídos pelos motores dos barcos, catraias, voadeiras, passeios, batelões e outros tipos de embarcações, que têm motor. É quase uma sinfonia, porém, sem nenhuma sintonia. Existem muitas pessoas nas ruas sem fazer nada.

- Sou carregador. Ajudo as pessoas a carregar as coisas dos barcos quando precisam. De R$ 5,00 a R$ 10,00.

- Sou observador. Observo as pessoas quando precisam e quando não. R$ 3,00

- Sou conversador. Converso com as pessoas quando precisam, mas comigo é de graça. Não cobro nada. São profissões que deveriam ter reconhecimento social. Receber direitos trabalhistas e essas coisas, reclamavam. Falamos até inglês:'Give me some money?' , 'Go to Mapiá?'

Café da manhã reforçado. Acho que a moça da cozinha sabia que estávamos de partida. Bananas, mamão, café, leite, queijo, ovos mexidos, mandioca cozida. O barco ia mais pesado do que esperávamos. Após comprarmos a gasolina para o motor, carregarmos o barco com comida, água e nossas coisas, partimos descendo o Rio Purus, 10h da manhã. Rio caldaloso, agitado e cheio de balseiros. Balseiros são pedaços de pau, árvores inteiras, que são arrancadas pela força das águas, das margens e seguem junto com a correnteza, rio abaixo. Haviam árvores submersas, só com algumas folhas emergindo para fora. Duas horas depois o rio fica mais calmo. Cor e textura de doce de leite, infelizmente, gosto não. Quer dizer, gosto não sei, não tive coragem de provar.

(...)