quinta-feira, 16 de abril de 2009

Para sair de casa precisava de chaves. Sim, claro. Portões para abrir, passar, sair, fechar. Era simples. Por portas e maçanetas passavam mãos cujas digitais por ali ficavam, sim. Banheiro, quarto, cozinha, portão da frente, portão mais à frente, porta automática dianteira, porta automática lateral. Sim, sim e sim. Todos os dias, menos os de chuva, com olhos ainda fechados, asfaltos malacabados por bicicletas e caminhões vorazes pela pressa, sim. Às vezes alguns pássaros acompanhavam, mas sem se fazerem percebidos. Por aqui existem pássaros tímidos.

Nunca desconfie dos seus sentidos, repetia. Também nunca acredite completamente neles. Pessoas pessimistas não devem acreditar no que pensam, mesmo sabendo que no fim, no fim mesmo, tudo dá merda. E se não deu merda, é por que ainda não chegou ao fim. Afinal, o que são os pensamentos senão prováveis mentiras contadas de dentro pra fora? Pessoas otimistas também não devem acreditar em si. Nem tudo é feito de algodão doce além do horizonte. Desconfie de tudo que vive, aconselho. Claro, afinal, tudo que vive, possui vida, consome oxigênio, insumos,- refiro-me também aos alimentos - água, ocupa espaço e entre outras coisas que entram em conflito com o seu universo particular de uma forma ou outra, mesmo que o universo não seja tão particular assim ou que tenha apenas uma estrela, sem constelações ou coisas cósmicas, mesmo que você more no Acre ou na China. Coisas que não sei o nome e nunca vi, mas assim como os E.Ts, sabemos que existem. Gosmas feitas de gomas cósmicas ou algo do tipo dos ninhos dos mafagafinhos mafagáfagos.

Falando em coisas que não se vê, corpos vivos com suas funções vitais funcionando em condições adequadas mantém a temperatura interna variando entre 34 a 37 °C. Depende do metabolismo, no estado de saúde, do nível de álcool ou outras substâncias, e até período menstrual, no caso das mulheres. Também as xxx, os xxx e as xxx, diga-se de pastagem. Assim, como todas as outras energias em forma de calor, este, o próprio, excede os limites internos corporais, decide-se sair, parte sem vontade de voltar em busca de novos horizontes. Horizontes não necessariamente são horizontais. Assim como quem não tem canino caça com equíno, sem trema, agora.

Fato é que o sonho de todo calor interno é encontrar uma brisa, corrente de ar ou outro lugar quentinho, semelhante ao de onde saiu. Assim como quando percebemos o quão bom é dormir de conchinha por lembrar a posição que nos deixava confortável no útero de nossas mães. Ah, se era. Conseguem fugir por todos os lugares. Fugir não. Tem liberdade e direitos de ir e vir, assim como todo pedestre e toda pessoa, ser humana, que se diz livre e gozar dos seus direitos. É, gozar. É, liberdade. Se diz, sim. Calorzinhos saem à procura de narizes, sim. Calorzinhos trazem consigo moléculas de substâncias poderosíssimas capazes enebriar qualquer ébrio ou sóbrio anônimo ou assumido de forma inexplicável. Moléculas contém combinações perfeitas, encaixes, porta e fechadura, porca e parafuso, quebra-cabeça, palavras cruzadas, complete a frase. Assim como toda tampa tem sua panela, mesmo que seja uma frigideira. Grande engenharia química!

Para voltar pra casa, mais chaves. Chave superior, chave inferior, portas, segundo número ímpar, primo e primeiro número par, eletricidade, automatismo, tecnologia, porta, barulho (cuidado), chave, tecnologia, porta, chave, botões, portão um, portão dois, barulho (cuidado), porta, chave, portão, porta, sai cachorro!porta, chave, escada, porta. Por fim: cama, calorzinho bom, pássaros tímidos em cantorias escuras pela janela. Não tem maçaneta, nem porta e nem chave. Não tem loucura, telefone e muito menos telemensagem.