Ando confeccionando placas. É, é uma maneira de dizer sem abrir a boca. De falar sem ser ouvida e sim, ser lida. Mas me ler, você pode aqui. me ver? Quero levar minhas palavras pra onde quer que eu vá. Pode ser em um livro, talvez denovo daqui a um tempo, talvez algo mais. Pode ser em um artigo científico, ou numa lápide. Sim, em breve verás. Pode ser em uma poesia escrita no verso de uma propaganda de geladeiras ou de cursos de como falar português. Pode ser escrita em forma cuja forma lembra letra de criança. Eu tenho esse lado infantil e faço questão de admirar quadros e flores coloridas. Por exemplo, ganhei uma semente nativa de presente e quiz chorar. Olhei pela janela e vi umas nuvens fingindo. Fingindo chover, fingindo molhar. Levantei os braços, sem me preocupar com o que tinha em baixo deles, com os olhos fechados tive que abrir uma brecha pra uma lágrima órfão sair. Ela saiu e bateu a porta. Meus braços formavam um 'a'.
Uns dias antes, ao sair de casa eu vi alguma coisa escrevendo com nuvens o céu. Ué, nuvem não escreve. Ando tão distraída que imaginei a palavra escrita: 'avião'. Às vezes eu também me imagino morrida. Que bizarro por que eu não era convidada pro enterro. Eu olhava tudo de cima e não entendia nada. Vi gente pingando colírio, fingindo chover. Vi gente rindo, gargalhando por fora e por dentro. Tinha alguns que choravam de verdade, mas alguns só faziam caretas. Caraca, como você é feia, ainda bem que eu nunca mais vou te ver, desabafei . As lentes dos óculos escuros não eram tão escuras assim. Alguns relinchavam: 'acho é pouco. ela mereceu, fazer o que né? é a vida'. Tinha uns que se amassavam no canto do muro aproveitando que as atenções estavam voltadas para a minha mãe. Ela chorava que eu fiquei com vontade de chorar também. Segurava a minha mão de dedos roídos. Ainda tinha um pouco de esmalte vermelho. Culpa da funerária que não me limpou direito. Dentre os 'porquês, aonde eu errei, a culpa é minha, a culpa é daquele desgraçado, Deus que quiz assim, não foi Deus quem quiz, tinha um futuro longo pela frente, pelo menos vou ficar com o guarda roupa dela, ela me devia dinheiro, ela me devia um homem, ela planejava viajar com o marido, ele não tinha fotografias, ela esteve grávida, pretendia comprar um cachorro novo, derrubar uns mil metros cúbicos pra fazer mesas e salas de estar, ela não era toda de verdade, deveria ter arrumado a bicicleta, estava ficando meio gorda, eu gostava da banda dela, mas acho que ela pagava de gatinha, eu achava ela bonita, mas era metida, era metida por que se achava superior a tudo e todas, e era, se não fosse não teria tanta gente aqui, fingindo, fingindo? fazendo contatos, tem uma festa alternativa daqui a pouco, ela gostava de limão e de bebidas coloridas, que se foda ela não está mais aqui mesmo, ele está solteiro, eu achava que ela era lésbica, fazia bruxaria, gostava de estacionamentos, tinha uma pilha de livros não lidos, comprados e dados, dizem que ela tinha cleptomania, que horas vai ser o enterro? o pai dela não bebeu hoje, será que ela ainda guarda aquela carta? ela não possuía títulos e era muito feliz', eu me despedia confecionando a minha última placa:"Aqui jaz"
Uns dias antes, ao sair de casa eu vi alguma coisa escrevendo com nuvens o céu. Ué, nuvem não escreve. Ando tão distraída que imaginei a palavra escrita: 'avião'. Às vezes eu também me imagino morrida. Que bizarro por que eu não era convidada pro enterro. Eu olhava tudo de cima e não entendia nada. Vi gente pingando colírio, fingindo chover. Vi gente rindo, gargalhando por fora e por dentro. Tinha alguns que choravam de verdade, mas alguns só faziam caretas. Caraca, como você é feia, ainda bem que eu nunca mais vou te ver, desabafei . As lentes dos óculos escuros não eram tão escuras assim. Alguns relinchavam: 'acho é pouco. ela mereceu, fazer o que né? é a vida'. Tinha uns que se amassavam no canto do muro aproveitando que as atenções estavam voltadas para a minha mãe. Ela chorava que eu fiquei com vontade de chorar também. Segurava a minha mão de dedos roídos. Ainda tinha um pouco de esmalte vermelho. Culpa da funerária que não me limpou direito. Dentre os 'porquês, aonde eu errei, a culpa é minha, a culpa é daquele desgraçado, Deus que quiz assim, não foi Deus quem quiz, tinha um futuro longo pela frente, pelo menos vou ficar com o guarda roupa dela, ela me devia dinheiro, ela me devia um homem, ela planejava viajar com o marido, ele não tinha fotografias, ela esteve grávida, pretendia comprar um cachorro novo, derrubar uns mil metros cúbicos pra fazer mesas e salas de estar, ela não era toda de verdade, deveria ter arrumado a bicicleta, estava ficando meio gorda, eu gostava da banda dela, mas acho que ela pagava de gatinha, eu achava ela bonita, mas era metida, era metida por que se achava superior a tudo e todas, e era, se não fosse não teria tanta gente aqui, fingindo, fingindo? fazendo contatos, tem uma festa alternativa daqui a pouco, ela gostava de limão e de bebidas coloridas, que se foda ela não está mais aqui mesmo, ele está solteiro, eu achava que ela era lésbica, fazia bruxaria, gostava de estacionamentos, tinha uma pilha de livros não lidos, comprados e dados, dizem que ela tinha cleptomania, que horas vai ser o enterro? o pai dela não bebeu hoje, será que ela ainda guarda aquela carta? ela não possuía títulos e era muito feliz', eu me despedia confecionando a minha última placa:"Aqui jaz"