É tudo cinza. Céu, chão, faces e subterrâneos. Árvores tentam resistir nascendo, florando e sombrando como se fosse a última vez e respirando como se fossem únicas responsáveis, em meio aquela bagunça organizada em linha reta. Elas me dão medo. Me olham com cara de abraço. Às vezes eu sinto por não ser tão amável, mas isso me faz ser quem eu sou. Bom ou não, graças ao bom senhor. Por aqui cachorros passeiam, mas só eles. Senhoras solitárias têm seus momentos caninos da calçada. É meio triste ver todos aqueles semblantes preocupados com a vida e, mais do que nunca, com a morte.
Logo de cara: Passa a bolsa, passa o tênis e o casaco. Foram-se algumas centenas de reais e um bilhão de certezas que as coisas ruins só acontecem com o vizinho. Deve ter sido outra macumba mal feita. Placas, placas, letreiros, faixas, homens e carros. É muita informação pra dois olhos só. Como não tenho câmera fotográfica, (roubaram junto com a minha dignidade noutros tempos. Consegui recuperar só a dignidade) meu obturador pessoal registra a cada piscada, imagens que, se eu pudesse, reproduziria com as mãos. Mas não posso. Na minha infância ao invés de estudar artes, estudei música. E isso não justifica minhas falhas de caráter. Nada justifica. Só o Word.
Penso tragédias. Vejo um ônibus atravessando a rua e imagino um trem vindo de encontro a ele, amassando narizes e esbugalhando olhos. Eu sei que trem não anda na mesma rua que o ônibus, mas tudo isso é fruto da minha imaginação, como disse. Imagino pessoas se partindo no meio na calçada, órgãos, víceras, sangue e membros alados, seios e silicones jogados no passeio enquanto pombos procuram o resto de milho de pipoca que sobrou do verão passado. Imagino-me caindo em um precipício e lá em baixo só existem vermes de óculos. Entro no avião e imagino uma explosão, pessoas voando e eu sendo amassada por umas toneladas de ar. Até nas coisas mais simples como ao entrar no meu quarto no escuro e jurar que quando eu acender a luz um extra terrestre vai pedir meu cérebro, ou um monstro vai chupar meu sangue, ou até mesmo um homem comum vai me dar um tapa na cara, me jogar no chão e desmaiar no banheiro de remorso. Minha mente é absurdamente, eu sei, mas isso me faz ser mais centrada e estar preparada sempre para o pior. E quando o melhor vem, é um maravilha de bom.
Vi uma banquinha de frutas.Todas elas me pareciam deliciosas e o preço era três vezes mais barato do que eu costumava pagar em outros lugares. O que eu fiz? Como compulsiva que sou, comprei três cartelas de morangos. Lindos, vermelhos de dar água na boca. Botei na mochila, com cuidado para não amassar e depois guardei na geladeira. Uns dias depois tinha até esquecido dele. O frio me fez ficar um pouco mais burra. Parecia que os neurônios tinham dado um paradinha básica para o café quente, pra aquecer. Resolvi pegar um metrô, coloquei as cartelas dentro da mochila denovo e segui. Segui, segui, andei, andei- Caralho como essa cidade é grande- metros, metros, estações, metrôs, morangos. Abro uma cartela e começo a comer. Era tão suculento que eu senti que estava mordendo uma nuvem, vermelha, claro. Vermelho. Frio. Gelado. Morango, morango, calçada, mendigos, morango, lojas, pastelaria do chinês, vermelho, papelão, pedaços de marmitas encostadas aos postes, folhas, vermelho, morango, morango vermelho, doce, padaria, sons, sons, vermelho, morango, sons, doce, flauta, acordeon, meleca, doce, vermelho, cubos sonoros, morango, faixas de pedestres, branco, vermelho, morango, cabeludos, metaleiros, morangueiros, morangos, guitarras, dó-ré-mí-fá-sol-lá-si, vermelho, pentatônica, turuturpá, morango, vem de ré pra mim sem dó, baterias, suco, batuques, xeco-xeco, vermelho, cachorro, côcô, vermelho, -vamos dar uma entradinha?- como assim, entradinha, ô rapaz!?- vermelho, morango, suco, fiquei corada, ladeira, carros carros, vendedor de macaxeira (o que ele estava fazendo ali?), vermelho, suco, vermelho, escaleta, azul, daquela cor, vermelho, morango, - meu deus, que cara bonito!-, paixões instantâneas e voláteis, ladeira, portas, sons, notas musicais, eu e meus morangos frenéticos.
Parei, olhei e continuei olhando. Um grupo de pessoas, umas 30, atravessam a rua, duas a duas. Detalhe: uma delas estava vendada. Primeiro achei que era uma terapia de grupo para desenvolver confiança na outra pessoa, mas logo vi que eles eram cegos e seus cachorros estavam sendo treinados junto com eles. Passavam vagarosamente por cima da faixa de pedestre, listras bancas no asfalto preto, pareciam as teclas de um piano, ou de uma escaleta, que quem soprava era o vento frio que vinha do leste. Cada passo, eu imaginava uma nota, aumentaram a velocidade e pronto, logo vi: era a nona sinfonia de Beethoven.
Logo de cara: Passa a bolsa, passa o tênis e o casaco. Foram-se algumas centenas de reais e um bilhão de certezas que as coisas ruins só acontecem com o vizinho. Deve ter sido outra macumba mal feita. Placas, placas, letreiros, faixas, homens e carros. É muita informação pra dois olhos só. Como não tenho câmera fotográfica, (roubaram junto com a minha dignidade noutros tempos. Consegui recuperar só a dignidade) meu obturador pessoal registra a cada piscada, imagens que, se eu pudesse, reproduziria com as mãos. Mas não posso. Na minha infância ao invés de estudar artes, estudei música. E isso não justifica minhas falhas de caráter. Nada justifica. Só o Word.
Penso tragédias. Vejo um ônibus atravessando a rua e imagino um trem vindo de encontro a ele, amassando narizes e esbugalhando olhos. Eu sei que trem não anda na mesma rua que o ônibus, mas tudo isso é fruto da minha imaginação, como disse. Imagino pessoas se partindo no meio na calçada, órgãos, víceras, sangue e membros alados, seios e silicones jogados no passeio enquanto pombos procuram o resto de milho de pipoca que sobrou do verão passado. Imagino-me caindo em um precipício e lá em baixo só existem vermes de óculos. Entro no avião e imagino uma explosão, pessoas voando e eu sendo amassada por umas toneladas de ar. Até nas coisas mais simples como ao entrar no meu quarto no escuro e jurar que quando eu acender a luz um extra terrestre vai pedir meu cérebro, ou um monstro vai chupar meu sangue, ou até mesmo um homem comum vai me dar um tapa na cara, me jogar no chão e desmaiar no banheiro de remorso. Minha mente é absurdamente, eu sei, mas isso me faz ser mais centrada e estar preparada sempre para o pior. E quando o melhor vem, é um maravilha de bom.
Vi uma banquinha de frutas.Todas elas me pareciam deliciosas e o preço era três vezes mais barato do que eu costumava pagar em outros lugares. O que eu fiz? Como compulsiva que sou, comprei três cartelas de morangos. Lindos, vermelhos de dar água na boca. Botei na mochila, com cuidado para não amassar e depois guardei na geladeira. Uns dias depois tinha até esquecido dele. O frio me fez ficar um pouco mais burra. Parecia que os neurônios tinham dado um paradinha básica para o café quente, pra aquecer. Resolvi pegar um metrô, coloquei as cartelas dentro da mochila denovo e segui. Segui, segui, andei, andei- Caralho como essa cidade é grande- metros, metros, estações, metrôs, morangos. Abro uma cartela e começo a comer. Era tão suculento que eu senti que estava mordendo uma nuvem, vermelha, claro. Vermelho. Frio. Gelado. Morango, morango, calçada, mendigos, morango, lojas, pastelaria do chinês, vermelho, papelão, pedaços de marmitas encostadas aos postes, folhas, vermelho, morango, morango vermelho, doce, padaria, sons, sons, vermelho, morango, sons, doce, flauta, acordeon, meleca, doce, vermelho, cubos sonoros, morango, faixas de pedestres, branco, vermelho, morango, cabeludos, metaleiros, morangueiros, morangos, guitarras, dó-ré-mí-fá-sol-lá-si, vermelho, pentatônica, turuturpá, morango, vem de ré pra mim sem dó, baterias, suco, batuques, xeco-xeco, vermelho, cachorro, côcô, vermelho, -vamos dar uma entradinha?- como assim, entradinha, ô rapaz!?- vermelho, morango, suco, fiquei corada, ladeira, carros carros, vendedor de macaxeira (o que ele estava fazendo ali?), vermelho, suco, vermelho, escaleta, azul, daquela cor, vermelho, morango, - meu deus, que cara bonito!-, paixões instantâneas e voláteis, ladeira, portas, sons, notas musicais, eu e meus morangos frenéticos.
Parei, olhei e continuei olhando. Um grupo de pessoas, umas 30, atravessam a rua, duas a duas. Detalhe: uma delas estava vendada. Primeiro achei que era uma terapia de grupo para desenvolver confiança na outra pessoa, mas logo vi que eles eram cegos e seus cachorros estavam sendo treinados junto com eles. Passavam vagarosamente por cima da faixa de pedestre, listras bancas no asfalto preto, pareciam as teclas de um piano, ou de uma escaleta, que quem soprava era o vento frio que vinha do leste. Cada passo, eu imaginava uma nota, aumentaram a velocidade e pronto, logo vi: era a nona sinfonia de Beethoven.