Ela me via de longe com olhos de desprezo, reprovação, pena talvez. Me via aos prantos nos barrancos das calçadas destruidas por carros bêbados. Calçadas batidas, palco da última apresentação daquele teatro da vida. Ela me via. Ela me via, me observava e imagino eu, que sorria. Há um certo prazer nos olhos dos que vêem pavor e sofrimento n'outro ser, mesmo que esses olhos já tenham passado por cousas piores, ou mesmo, estivessem no lugar do mirante. Piedade custa caro pra quem já teve que pagar muito. Era noite, ou dia, não se sabia. O céu estava cinza como aqueles que a gente olha e não sabe se o claro é do sol ou da lua. Ela,a lua, preferiu se esconder diante de tamanha comoção com a moça que se esfalecia pelo chão. O céu chorava junto, tristemente, lágrima por lágrima, gota por gota. Não no mesmo ritmo, mas na mesma harmonia: Dó maior. Era a última noite. O último choro. A última gastrite. O último, não, talvez não, absurdo. Absurdo eram aqueles gatos, que também só olhavam e não diziam nada. - Porra, gato, faz alguma coisa nessa merda. Vai ficar aí só olhando?
Olhavam ela, o gato, e o vizinho curioso por cima dos muros, que há de se dizer, por aqui são baixos. Olhavam e esperavam eu me levantar. Veio uma formiga, depois um sapo passou pulando, tão alegre e satisfeito com a chuva que nem se deu conta do que se passava na sua passagem. Tive um arrepio, como sempre, mas não consegui demonstrar reação. Poderia ter feito alguma coisa, mas não fiz. É um perigo existir hoje em dia, coexistir, ainda mais. Enquanto rasgava as costas escorada na coluna que sustentava a cobertura, contava carneirinhos esperando a dor passar, que nem se faz quando o sono não vem. Contei milhares até que eles começaram a se transformar em outros animais. Alguns não tinham nome mas iam ganhando forma no céu que ficava cada vez mais com tons alaranjados. Não sei por que, mas laranja me lembra verão e aquela noite bem que poderia ser um verão, um início de um ano novo, ou sei lá, apenas um dia qualquer. E pensando bem, hoje em dia foi.
Olhavam ela, o gato, e o vizinho curioso por cima dos muros, que há de se dizer, por aqui são baixos. Olhavam e esperavam eu me levantar. Veio uma formiga, depois um sapo passou pulando, tão alegre e satisfeito com a chuva que nem se deu conta do que se passava na sua passagem. Tive um arrepio, como sempre, mas não consegui demonstrar reação. Poderia ter feito alguma coisa, mas não fiz. É um perigo existir hoje em dia, coexistir, ainda mais. Enquanto rasgava as costas escorada na coluna que sustentava a cobertura, contava carneirinhos esperando a dor passar, que nem se faz quando o sono não vem. Contei milhares até que eles começaram a se transformar em outros animais. Alguns não tinham nome mas iam ganhando forma no céu que ficava cada vez mais com tons alaranjados. Não sei por que, mas laranja me lembra verão e aquela noite bem que poderia ser um verão, um início de um ano novo, ou sei lá, apenas um dia qualquer. E pensando bem, hoje em dia foi.