sexta-feira, 30 de março de 2012

compartilhemos nossos dióxidos de carbono.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ninguém é de ferro, dente de leite e caldo de cana

Quando criança, lá onde o sol é um verbo infinitivo, o calor transitivo direto e o amarelo era a cor da vida, contava os dias para arrancar os dentes de leite. Ele e o irmão mais novo apostavam quem teria de arrancar primeiro, sabendo que não importava quem ganhasse: a delícia seria compartilhada irmãmente.

A recompensa que tanto esperavam é algo que para muitos nem fazia diferença, mas para eles o dinheiro e pequenos prazeres eram um luxo anual, como um ano bissexto ou como uma chuva de meteoros. Se bem que o ano bissexto a gente sabe quando vai acontecer. Enfim, a ânsia de se perder um dente era que seu pai, aquele da cabeça, dos pés e de outras qualidades chatas, só quando chegava a hora, lhes presenteava com o que era a máxima do desejo de uma criança da época: Caldo de Cana. Primeiro por que não se podia comer, pra não entrar sujeira no buraco do dente. Era nutritivo, cheio de glicose, né? É, glicose e bem geladinho com limão era uma delícia. Cada dente era equivalente a uma garrafa de caldo de cana. Era uma delícia, dizia ele, era uma delícia.

Certa vez, cansado de esperar o dente cair por si só, armou com o irmão para arrancar dois dentes de uma vez e poder saborear duas garrafas de caldo de cana gela'dians'. Amarrou os dentes na maçaneta da porta com uma linha de costura, fechou sem dó e arrancou os dois dentes da frente, de uma vez só, sem frescura, sem anestesia, só com gelo, por que ninguém é de ferro e os dentes não eram de leite. Não cresceram nunca mais e ele ficou indignado por que ao invés de ter ganhado duas garrafas de caldo de cana, apanhou e ainda teve que usar dentadura pro resto da vida.

domingo, 18 de março de 2012

Praticante do manejo sentimental (in) sustentável.

São sonhos que se repetem. Só mudam os personagens por que a sensação é a mesma: vazio, como uma luz de se perder a vista. Um espaço a completar tracejado com a incerteza de que qualquer escolha, seja ela qual for, vai caber perfeitamente naquele espaço. Ou vai fazer caber. Quer seja escolha ou seja eu escolhida, não importa. O sujeito não muda de nome. Sou eu a observar, e sofrer com isso, ídolos musicais falarem sobre a minha vida com tantos detalhes por ai. Sou eu a contar as lágrimas contidas de um período, longo, que de repente explodem no êxtase da ausência do fôlego. Aquela tristeza disfarçada de alegria que toma lugar do que era pra ser plenitude e paz. É por que ao fechar os olhos todos os 'talvez' que fazem fila na porta do cérebro, que tem saída para a boca, recebem censura. Sigilo e cuidado. Quando sair daqui, o mundo lá fora não, nunca, será o mesmo. Uma vez proferida, morte da irresponsabilidade por elas. Foi-se o tempo em que eu era outras. Hoje sou muitas que nem dou conta. Como a roupa que escolho todos os dias (manhãs tormentosas) para ir trabalhar, escolho quem serei eu. Muitas vezes escolho até o nível de simpatia que espalharei aos que me rodeiam. Coitados, não imaginam que não se passa de um esforço enorme, tremendo, colossal de ser alguém melhor. Às vezes até me dói. Sobre os sonhos. Sonho escrevendo e chorando cartas. Soluçando vírgulas e implorando por pontos finais nessas coisas que sobraram. E como sobram! Nos sonhos tenho coragem de deixar na sua caixa de correios e torcer para você não reconhecer minha letra. Meio impossível se esconder atrás do que realmente move. Meio difícil pedir tranquilidade quando não se tem. Mais difícil ainda pedir aceitação quando a recíproca (interna) está longe de ser verdadeira. É só mais uma palavra difícil de pronunciar e mais difícil de praticar: Recíproca. É a ânsia por ela que nos faz babacas. Sempre esperando mais do outro do que o'utro pode dar. É uma desgraça.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Pode ouvir o cabeludo

O ano era antes, muito antes, de suas filhas nascerem. As fotos ainda eram em preto e branco e lugar de mulher ainda era na cozinha. Sempre gostou de música mas em sua casa haviam restrições sérias. Só entrava Luiz Gonzaga. Seu pai, marceneiro, carpinteiro, artesão de móveis em madeira tinha a cabeça, a sola dos pés, algumas concavidades nas mãos e também era uma pessoa chata. Ele gostava de Roberto Carlos. Depois da escola ouvia com os amigos através de um radinho à pilha as canções dançantes e cantavam para as garotas que passeavam na praça de trança.

- Na minha casa não entra música de cabeludo.

Naquela época o Rei era apenas príncipe. Se usasse trança já seria outra história.

- Mas painho, a música é boa.

- Não, nada disso, na minha casa não entra música de cabeludo.

Certo dia, após uma grande tragédia que acometeu o Recife, estado vizinho, Roberto Carlos fez um show beneficente para arrecadar fundos a fim de ajudar as vítimas da enchente. Ele queria ir, seu pai não deixou mas por fim disse: - É, esse cabeludo é boa gente. Pode ouvir o 'cabiludo'.