sábado, 16 de julho de 2011

Dos paulistas - O amanhã que foi ontem

Tem pessoas que passam na nossa vida que marcam pra sempre. Dia desses, agora mesmo, estive pensando nas pessoas que conheci pelas andanças saudáveis da minha vida. Cada uma deixou uma marca e uma reflexão que valeram mais que qualquer..mais que..sei lá, mais que muitas coisas que eu acho que possam valer. Daniel, Seu Daniel. Andei, andamos, uns 40 minutos, por entre cipós, raízes de árvores, solos erodidos, capim recém-incendiado, familias bovinas, meio perdidos por entre aquela atmosfera nebulosa, fumacenta e seus vários tons de cinza. Poderia ter sido um filme em preto e branco. Só o céu, que parece mais azul e o sol mais amarelo quando estamos desprotegidos, sem chapéu, sem água e sem comida. Eles sabem como se colocar em nossas vidas e eles não ficariam bem em preto e branco. Nos perdemos. As pessoas tem costume dar informações que exigem mais e mais perguntas. É sempre: ó, purali. Por ali onde? Bem ali ó(apontando com o beiço pra direção indicada). Cheguei. e agora? Agora tu vira a direita. Virei a direita. Agora, tá vendo aquela cerca quebrada? Não é essa. Entra depois do açacú.( impaciente, já) JÁ ENTREI DEPOIS DO AÇACÚ, E AGORA? Agora tu passa por cima dessa ponte quebrada e espera eu te pegar por que os cachorros são bravos. Nunca é: isso, isso e isso e pronto.

Eu tenho mania de tentar sistematizar as coisas. Mesmo que mentalmente, traço planos, rotas, alternativas, discursos e esqueço que as pessoas são normais e não se importam em dar informações precisas, em enviar mensagens conclusivas, em serem diretas numa conversa, direto ao assunto. Gasto muitos neurônios fazendo isso.

Seu Daniel era um senhorzinho velho mas forte, daqueles que trabalham. Paulista. Diferente daquelas pessoas fortes de academia que dispensam maiores descrições. Era velho mas tinha os músculos da barriga definidos, braços fortes( não que eu tenha reparado) e cabelos brancos. Usava óculos semelhantes ao do John Lennon. A casa era a mais pobre que eu já havia visto. Chão batido, paredes de palha, cobertura de cavacos de madeira. Do tamanho do meu quarto e parecia um grande armário com coisas penduradas por todos os lugares. Ganchos, cordas, pedacinhos de madeira todos com coisas penduradas. Havia duas redes, uma mesa e um fogão de 6 bocas. Quando vi, óbvio que me perguntei o por que daquele fogão enorme. Era doceira, dona Regina. Gaúcha. Fazia doces de abóbora, de mamão, banana, abacaxi..deu água na boca agora só de lembrar. E tudo que usava para fazer seus doces saia da sua propriedade. Plantavam tudo, mas tudo mesmo. Só não eram mais auto-suficientes por que não tinham engenho de cana para produzir o próprio açúcar. Ele vinha da cidade.

(...)

Tinha cachorros simpáticos. Nos demos super bem apesar de ter me alertado que quando vão caçar - sim, os cachorros caçam - se transformam: viram o cão. Tinha um que era magrelo, mas forte, que nem o dono. - Esse caça muito. A outra é preguiçosa. Olhei bem para aquele rostinho magro e tive que concordar. Era meio creme, meio caramelo, meio marrom. Todos os tons se fundiam e me confundia se era cor ou sujeira. Dona Regina largou tudo e foi morar no interior. interior é eufemismo, por que aquele lugar é escondido, entocado, mocado. É o interior do interior. Fora professora de história e, engraçado, usava óculos à la John Lennon também. Seu Daniel era muito criativo. Tinha construido várias geringonças mas a que mais me chamou atenção foi o galinheiro suspenso. A galinha entrava por um esteira, tinha tipo umas cabines, separadinhas, com palhinha, graminha. Por baixo tinha um cano que conduzia o ovo recém botado para um outro compartimento que deslisava, vagarosamente, para um pote que ficava ao lado do fogão. Na hora do almoço, dona Regina esticava o braço e o ovo estava lá. Que beleza.

A horta e o pomar eram um espetáculo à parte. Parecia uma floresta de mamoeiros, limoeiros, laranjeiras, rastejando tinham umas abóboras, umas não centenas, daquelas grandes, gordas e redondas que aquele povo nos estados unidos usa para fazer carinhas aterrorizantes no dia das bruxas. Alías, não entendo por que usam a bixinha pra essa finalidade. Não há nada de diabólico numa abóbora. Pepino, couve, alface, rúcula, tomate (irgh), cenoura, beterraba, cebolinha..tudo...tudo mesmo se plantava. Era como seu fosse um supermercado ao ar livre. Tinha até café. Foi lindo quando ela colheu os grãozinhos, tostou numa espécie de forno improvisado, moeu e fez um café fresquinho, na hora. Só não estava melhor por que no interior as pessoas tomam uma espécie de chafé ou licor de café. Mais açúcar do que café. Menos café mais água. Mas tinha afeto, não se pode negar. -Ontem mesmo matei uns porcos. Eles vem aqui de noite por que sabem que estamos dormindo, safados, e comem minhas macaxeiras. Fazem um estrago tremendo! Reviram tudo e comem minhas raízes como se não houvese amanhã. E estavam certos, matei tudim, o amanhã deles foi ontem.

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