segunda-feira, 22 de junho de 2009

acontece


aconteceu o que eu temia: virei uma amante da natureza e o pior de ser uma amante é ter que aceitar dividir, aceitar compartilhar algo que nem é seu de verdade, com outras pessoas que não são nem pessoas de verdade.

aconteceu o que eu temia quando falava dos algodões doces e dos horizontes de outréns. aconteceu quando achava bobagem um sentir tão abstrato que é dizer gostar de algo ou alguém. é abstrato, não se quantifica, não se dimensiona. se sente, se sonha.

aconteceu o que eu temia que qualquer árvore me faz chorar e nem todas são seringueiras ou marupás. aconteceu que pássaros vêm até mim querendo conversar. é como se eu tivesse um imã que virou reverso. meu reverso é do bem e eu só tenho esse agora pra usar.

ontem entrou um pássaro gordinho de peito dilatado pela minha janela. voou, voou se bateu e ficou a me observar apontando lápis usados. parecia querer me dizer algo com seus olhos redondos, estes que pareciam querer explodir de tão brilhantes. teve uma hora que eu pensei que ele ia se transformar num anjo, ou num demônio, vai saber. já tive mais medo das coisas bonitas da vida. deve ser porque eu tive uma nuvem preta, um isofilme 100% sob meus olhos que me impediam de enxergar as luzes, as luzes do céu e as luzes do teu olhar.

aconteceu que ao andar em baixo de uma árvore gigantesca, ela cuspiu uma flor na minha cabeça. esse tipo de cuspida eu adoro. era cheirosa e delicada. olhei pra cima e sorri: 'obrigada'. seus galhos pareciam querer me abraçar, mas eu sou tão pequena, sou tão pequena a te olhar. desculpa, um dia te alcanço. por enquanto posso ficar aqui, embaixo da sua sombra? preciso repassar meus sonhos acordada, tô cansada de viver e não sonhar.


demorou, mas aconteceu que consigo enxegar os horizontes que vão além, pode acreditar. Além daquela próxima castanheira ali, além do que os livros podem me ensinar. Além do meu céu, que é mais pro norte. além daquele cheiro forte que me faz lembrar.

aconteceu que meu perfume preferido não tem mais gosto de laranja e nem de dor. aconteceu, que pra retribuir, cuspi pra cima e meu cuspe virou flor.